Mais Pelo Jornalismo aposta no surfe para combater desertos de notícias
- Katia Torres

- 9 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 14 de jun.
Iniciativa visa combater "desertos de notícias" enquanto surfista leva mensagem do projeto Mais Pelo Jornalismo (MPJ) aos mares do Brasil e do mundo

Em uma iniciativa pioneira anunciada no dia 28 de maio, o I’MAX, empresa líder em mailings de imprensa no Brasil, uniu forças com o surfista profissional Igor Moraes, de 28 anos. Mais do que um simples patrocínio esportivo, a parceria representa o primeiro investimento da empresa em marketing de influência com um propósito claro: dar visibilidade ao projeto Mais Pelo Jornalismo (MPJ), uma iniciativa dedicada a valorizar e fortalecer o jornalismo local, especialmente em regiões carentes de cobertura midiática tradicional, os chamados desertos de notícias.
Igor Moraes, campeão brasileiro de surfe profissional em 2019 e destaque em 2024 ao conquistar a única nota 10 da história do Campeonato Brasileiro de Surfe em Saquarema, agora carrega em sua prancha mais do que a esperança de vitórias nas ondas. Ele se torna um embaixador da informação, levando a marca do MPJ para as cinco etapas do Challenger Series deste ano – divisão de acesso da WSL (World Surf League) – que acontecem na Austrália, África do Sul, Estados Unidos, Portugal e Brasil, entre 2 de junho e 19 de outubro.
"O Igor está no mar e nós estamos no deserto de notícias. Nossa escolha foi estratégica," explica Fernanda Lara, CEO do I’Max e idealizadora do projeto. "O surfe é um esporte solitário, assim como tem sido fazer jornalismo ético e independente em pequenas cidades brasileiras. Nossa ideia é conectar as duas lutas: a do atleta que enfrenta o mar sozinho e a do jornalista que insiste em informar, mesmo diante das marés contrárias."
Nascido e criado em Maresias (SP), Igor Moraes abraçou a causa: "Quando entendi o que o MPJ fazia, minha mente se abriu. Sei o quanto a gente depende de notícia local pra se sentir parte de alguma coisa. Quando não tem ninguém pra contar o que acontece, parece que não existimos. Apoiar quem mantém o jornalismo vivo é também lutar por pertencimento."
O Avanço preocupante dos desertos de notícias
A parceria surge em um momento crítico. O projeto Mais Pelo Jornalismo visa combater uma realidade alarmante: 40% dos 279 municípios da costa brasileira são considerados desertos de notícias ou quase desertos, segundo o Atlas da Notícia de 2023. Essa faixa litorânea abriga 47 milhões de pessoas, cerca de 22% da população nacional.
A ausência de veículos de comunicação nestes municípios espalhados pelo país é uma problemática que afeta diretamente a capacidade de informação e o dinamismo social de diversas comunidades. A pesquisadora Jacqueline da Silva Deolindo, doutora e mestre em Comunicação pela UERJ, em seu estudo sobre as regiões jornalísticas do interior fluminense, detalha essa realidade ao observar que "...há cidades no interior do Estado do Rio que não têm sequer uma emissora de rádio comunitária (...) No que se refere à produção de notícias e informação, os moradores dessas localidades em geral consomem os conteúdos produzidos e distribuídos a partir daqueles centros urbanos mais proeminentes."
Essa dependência de informações externas, evidenciada por Deolindo, é uma característica central destes desertos e acarreta consequências profundas para as comunidades afetadas. A falta de um olhar jornalístico local resulta na erosão da democracia, com menor fiscalização do poder público e uma participação cívica menos informada. Além disso, abre-se espaço para a proliferação de desinformação, já que a ausência de fontes confiáveis permite que boatos e narrativas distorcidas ganhem força.
O impacto se estende à própria identidade comunitária, que perde um pilar importante para narrar suas histórias e conectar seus moradores, e pode levar ao agravamento de disparidades econômicas, pela falta de acesso a informações cruciais sobre oportunidades e desenvolvimento local.
Minas Gerais
Essa realidade de desertos informativos, contudo, não se restringe à costa. Um exemplo contundente dessa expansão para o interior do país é o de Minas Gerais, onde 500 dos 853 municípios são classificados como desertos de notícias , segundo o Atlas da Notícia, afetando diretamente 3,8 milhões de pessoas, ou 18,5% da população estadual. Tal carência, reforçando as consequências já delineadas, compromete a qualidade da vida cívica e política, além de minar o senso de pertencimento nos territórios, onde a fiscalização do poder público e a prestação de contas de prefeitos, vereadores e outras autoridades tornam-se deficientes.
A análise no estado mineiro revela que a vulnerabilidade econômica é um fator comum nos desertos. Municípios com indicadores econômicos abaixo da média estadual são os mais afetados. A disparidade entre Nova Lima (IDHM 0,813, com 5 veículos de mídia) e Bonito de Minas (IDHM 0,537, um deserto de notícias) é um exemplo, dentre vários, que ilustra essa correlação. Essa íntima relação entre o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), a presença de veículos de jornalismo local e o perfil socioeconômico dos municípios ecoa as observações da pesquisadora Deolindo.
Seu estudo, ao caracterizar os desertos de notícias como frequentemente ocorrendo em municípios de pequeno porte, com baixo dinamismo econômico e atraso tecnológico – um perfil que se alinha com muitas das cidades mineiras com menos de 10 mil habitantes que são desertos –, ajuda a contextualizar por que essa vulnerabilidade se manifesta.
De fato, dados nacionais refletidos no gráfico a seguir confirmam que, independentemente da faixa populacional, os não-desertos tendem a apresentar um IDHM superior. A ausência de mídia local, portanto, conforme implícito nas análises, parece ser tanto um sintoma quanto um agravante das condições que limitam o desenvolvimento humano, impactando os pilares do IDHM: longevidade, educação e renda, contribuindo para um ciclo de menor desenvolvimento humano nessas comunidades.
Desafios e a Busca por Soluções
Combater os desertos de notícias, especialmente em cidades pequenas, envolve múltiplos desafios. A validação de informações é uma luta constante, assim como a criação de modelos de negócio sustentáveis para o jornalismo local. A digitalização, embora necessária, força pequenos jornais a competir com grandes veículos por relevância digital e verbas publicitárias, muitas vezes sem os mesmos recursos. Estratégias como crowdfunding encontram limitações em municípios menores, e a qualificação profissional também é um obstáculo, com a dificuldade de atrair jornalistas experientes para fora dos grandes centros.
Nesse cenário, o jornalismo local e independente surge como um farol. Iniciativas como o MPJ são cruciais, pois não apenas viabilizam o empreendimento inicial, mas também fomentam a colaboração para estabelecer uma cobertura profissional, aliando-se a fontes locais e comunicadores informais preexistentes.
É fundamental ressaltar, contudo, que a designação "deserto de notícias" não implica uma ausência total de informação ou de indivíduos e grupos que a disseminam. Pelo contrário, frequentemente existem fluxos informais de comunicação e comunicadores locais que, muitas vezes com notável habilidade e conhecimento da realidade local, já desempenham um papel vital.
Um dos desafios significativos para o florescimento do jornalismo local, e onde o patrocínio e a oportunidade oferecidos pelo MPJ se tornam catalisadores, é justamente o de capacitar os veículos apoiados a compreenderem quem são esses atores, como a notícia já circula nessas comunidades e, a partir daí, encontrarem formas de atuar não para substituí-los, mas para somar esforços e construir pontes.
O objetivo que o MPJ busca fomentar é o fortalecimento do ecossistema informativo como um todo, onde o jornalismo local, com o suporte da iniciativa, possa integrar e potencializar o alcance de informações verificadas e de interesse público, em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 da Agenda 2030 da ONU, especificamente a meta 16.10, que visa "assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais".
Assim, iniciativas como a da Agência Mural em São Paulo poderiam encontrar terreno fértil também em Minas Gerais, contribuindo para mitigar a crise de credibilidade do jornalismo tradicional – 41% dos brasileiros evitam notícias de veículos tradicionais, segundo o Reuters Institute (2023).
Mais Pelo Jornalismo: Uma aposta concreta
O projeto Mais Pelo Jornalismo (MPJ), financiado exclusivamente pelo I’Max oferece, gratuitamente, toda a infraestrutura tecnológica para o funcionamento de até mil portais de notícias com foco regional. Isso inclui hospedagem, cibersegurança, SEO, configuração de mídia programática, e-mail profissional e suporte técnico. A urgência do projeto é sublinhada por dados do próprio I'Max: em 10 anos, 2.352 mídias jornalísticas desapareceram do Brasil.
A Rádio CRN de Itatiba e o Jornal de Itatiba, ambos com décadas de história em suas comunidades, são exemplos de veículos selecionados pelo MPJ que receberão apoio para migração e modernização. Em Minas Gerais, iniciativas como a "Outra Mídia" e o "Diverso Jornal Cidadão" também estão em estágio avançado de parceria com o projeto, exemplificando o alcance e o compromisso do MPJ em apoiar o jornalismo local em diferentes contextos.
Para ampliar o impacto da parceria com Igor Moraes, o MPJ lançará um site bilíngue (português e inglês), que funcionará como um "GPS da notícia confiável no Brasil", listando todos os veículos apoiados pela iniciativa. A campanha com o surfista também buscará associar sua imagem a temas como letramento midiático e combate a fake news, visando alcançar os mais de 45,3 milhões de brasileiros que se declararam fãs da modalidade em 2021 (IBOPE Repucom).
"Nossa missão é reconectar o portal de notícias da cidade com a sua comunidade," afirma Fernanda Lara. "Estamos resgatando o jornalismo de base por um lado e furando a bolha na esfera social para lembrar as pessoas da importância de se informar por canais sérios e validados. O esporte é um meio de furar bolhas muito promissor. Patrocinar o Igor hoje é falar para o Brasil que merecemos e precisamos ser melhor informados."


A iniciativa do I'MAX e do MPJ, aliada à visibilidade trazida por Igor Moraes, representa uma onda de esperança contra o avanço dos desertos de notícias, reafirmando que o jornalismo local é vital não apenas para a sobrevivência de veículos de mídia, mas para a vitalidade de comunidades inteiras e a saúde da democracia brasileira.






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