Suspeita de manobra política na eleição do COMAM em Belo Horizonte
- Katia Torres

- 13 de jun.
- 8 min de leitura
Atualizado: 14 de jun.

Belo Horizonte, 13 de junho de 2025 – O processo eleitoral do Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM) foi suspenso pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) às vésperas de uma eleição que se anunciava histórica pela participação popular, evidenciada pela habilitação de 62 entidades com perfis inovadores e atuação relevante em diversas áreas. A decisão ocorre em um momento de apreensão nacional com o avanço de leis que fragilizam a proteção ambiental, como a PL 2159 aprovada no Senado, tornando a disputa na capital mineira um reflexo do cenário mais amplo.
A decisão, que também prorroga os mandatos dos atuais conselheiros por pelo menos seis meses, gerou indignação entre as entidades habilitadas a participarem do processo e culminou na imediata judicialização do caso. A sociedade civil, que alcançou um número recorde de inscrições, denuncia uma "manobra" para frear a renovação e a entrada de novas perspectivas para o desenvolvimento sustentável da capital mineira, em um contexto onde o governo de Minas Gerais se alinha a pautas de extrema direita.
A luta ambiental em escala nacional e local
O cenário político atual, em que a mentalidade negacionista de "ir passando a boiada" ainda se mantém em vigor, encontra resistência crescente na sociedade civil. No dia 05 de junho por exemplo, várias cidades do país protestaram contra a PL da Devastação. Na capital mineira, além de inúmeros ativistas, estiveram presentes pelo menos 185 instituições de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. É um sinal claro de que, se por um lado as pressões por flexibilização ambiental persistem, por outro, a população está cada vez mais consciente e se movimentando para fechar a porteira.
A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem sido uma voz ativa na convocação da população para a ação, e seu chamado parece estar angariando muitos adeptos.
Neste contexto de polarização e crescente mobilização, a suspensão da eleição do COMAM em Belo Horizonte não pode ser vista como um evento isolado, mas como parte de uma engrenagem maior de desmonte e controle dos espaços de participação popular na área ambiental.
A eleição suspensa e a prorrogação de mandatos
O CONAM, um órgão colegiado fundamental para a política ambiental de Belo Horizonte, tem a incumbência de assessorar o Prefeito em temas ambientais e é competente pelo licenciamento ambiental no município. Sua composição, conforme o Decreto de 14 de fevereiro de 2005, prevê a participação de membros do Poder Público Municipal e de sete representantes da sociedade civil, escolhidos entre entidades de atuação destacada na área de proteção ambiental ou de incentivo ao desenvolvimento ambientalmente sustentável, além de especialistas de notório saber. O mandato dos membros é de dois anos, permitida a recondução.
O processo eleitoral para o biênio 2025-2027 teve início com o Edital de Eleição SMMA 01/2025, publicado em 1º de maio de 2025. A eleição estava originalmente marcada para 6 de junho de 2025, mas foi prorrogada para 13 de junho às 13h30. Contudo, em 11 de junho de 2025, apenas dois dias antes da data final, a SMMA publicou um comunicado oficializando a suspensão do processo eleitoral e a prorrogação dos mandatos vigentes.
O comunicado, Edital SMMA Nº 01/2025 – COMUNICADO, justificou a medida com base no item 3.9 do edital (que trata de casos omissos) e alegou a necessidade de "assegurar a legalidade, legitimidade, transparência, estabilidade e objetivo do certame". Além da suspensão, o documento estabeleceu a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Município (PGM) para análise jurídica e a manutenção da atual representação da sociedade civil no COMAM por um período de seis meses, visando "garantir a continuidade administrativa e evitar vacância do Colegiado".
A voz da sociedade civil
A decisão da SMMA não apenas pegou de surpresa os candidatos, mas também acendeu um alerta para as entidades da sociedade civil que se mobilizaram como nunca antes em Minas para o pleito. A eleição do COMAM 2025-2027 também registrou um número sem precedentes de interessados: 82 entidades se inscreveram, das quais 62 foram devidamente habilitadas para concorrer. Esse volume representa um aumento de quase 100% em relação à última eleição, um verdadeiro salto democrático na participação cívica.
A Vereadora Iza Lourença, conhecida por suas bandeiras de justiça ambiental e defesa da diversidade, também expressou seu espanto e preocupação com a situação. "É, nós recebemos essa notícia com muito espanto, né? Do adiamento da eleição do Coman e uma prorrogação do mandato por seis meses, um tempo gigante, né? Com a alegação de que a PGM, a Procuradoria Geral do Município, tem que analisar o edital. Ela vai demorar seis meses para analisar o edital? É um questionamento que a gente faz", afirmou Iza.
Assista a entrevista na íntegra:
Igor Campos, presidente do Conselho Fiscal da Associação de Cannabis Medicinais das Gerais e candidato a uma vaga de desenvolvimento econômico, compartilhou o susto coletivo. "Nós ficamos assustados quando tivemos a notícia de que tinha sido suspensa a eleição do COMAM, que tinham suspendido o edital e prorrogado o mandato dos atuais conselheiros por mais 6 meses", disse ele.
Para Campos, a alegação de excesso de participação de entidades da sociedade civil para justificar a suspensão "não faz sentido", pois o edital é feito justamente para contemplar essa participação. Ele enfatizou a mobilização: "Nós nos articulamos para que essas vagas, para que essas entidades pudessem se candidatar e ocupar o espaço onde possamos defender o meio ambiente em âmbito municipal".
Felipe Gomes destacou que a suspensão ocorre no momento em que "entidades ligadas à reciclagem, agroecologia, economia circular, economia regenerativa" buscavam assento no conselho. Ele contrapôs essa nova onda de participação com o que ele chamou de 'capital marrom', criticando a postura de entidades tradicionais, e defendeu uma 'nova economia' baseada na sustentabilidade, um ponto que ele aprofunda em sua coletiva.
A suspeita da sociedade civil se aprofundou com a revelação de que os motivos alegados pela administração para a suspensão da eleição eram frágeis e contraditórios. Segundo a comissão responsável pela eleição do COMAM, 24 recursos foram apresentados após a publicação das entidades habilitadas. Destes, 7 questionavam inabilitações, 1 solicitava troca de segmento, e o mais significativo: 16 pedidos para inabilitação de entidades já habilitadas. Entenda:
Ainda na coletiva, Gomes revelou que, dos 24 recursos, 16 foram feitos pelos mesmos três autores, questionando a habilitação de outras entidades – algo não previsto no edital. Ele relatou que uma das entidades que apresentou recurso, a ACMinas, já havia solicitado a prorrogação do prazo de inscrição anteriormente. "Se eu tiver fazendo um vestibular e der muita inscrição vai cancelar?"
Questionado sobre uma possível justificativa dada aos candidatos, ele respondeu: "Olha, eles apresentaram os motivos. O motivo é teve entidade demais se inscrevendo, o que a gente não esperava", ironizou Gomes.
A vereadora Iza, que também acompanhou a situação, reforçou a preocupação com a tentativa de barrar a participação democrática e a renovação dos quadros dos conselhos municipais.
Mandado de Segurança Coletivo
Diante do que consideram um ato arbitrário e ilegal, o Sindicato de Engenheiros no Estado de Minas Gerais (SENGE-MG), a AKASULO e o Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais (SINDSEMA) ajuizaram um Mandado de Segurança Coletivo contra a Prefeitura de Belo Horizonte. O processo, de número 1018579-93.2025.8.13.0024, foi autuado em 13 de junho de 2025, às 13:19:53, com pedido de tutela liminar. Leia o documento na íntegra:
O Mandado de Segurança Coletivo argumenta que a aceitação de recursos para questionar a habilitação de outras entidades – uma prática não prevista no edital – gerou a instabilidade que culminou na suspensão do processo eleitoral; e, para os impetrantes, que incluem os sindicatos, a 'insatisfação de apenas 04 entidades dentre as 82 que se inscreveram no processo eleitoral' não pode impedir o acesso de todos à participação.
A ação judicial invoca o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, inerente ao Direito Administrativo, e a Lei nº 14.133/2021, que consolida a necessidade de estrito cumprimento dos critérios editalícios. A ilegalidade, argumentam, reside no fato de questionamentos aos termos do edital terem sido feitos somente após a publicação das entidades habilitadas, indicando "insatisfação com o resultado e não com as regras estabelecidas".
O mandado busca a nulidade do ato de suspensão e a realização do pleito eleitoral, seja na data original (13 de junho de 2025, às 13h30) ou em uma nova data em tempo hábil, garantindo a manutenção do credenciamento e habilitação das entidades, com foco na isonomia e impessoalidade.
Capital Marrom x Economia Verde
A polarização evidente na disputa pelo COMAM reflete uma tensão maior na gestão ambiental e econômica da cidade. De um lado, figuram entidades que historicamente ocupam o conselho e representam um modelo de desenvolvimento econômico tradicional, muitas vezes criticado por suas práticas – as mesmas que, segundo a Comissão Eleitoral, apresentaram os 16 recursos para inabilitação de concorrentes, como a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte - CDL/BH, Associação Comercial e Empresarial de Minas - ACMinas, Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais - FIEMG e Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais - FEDERAMINAS.
Assista no vídeo a coletiva de imprensa com Felipe Gomes explicando a situação da eleição na COMAM
Além de detalhar as manobras, Felipe Gomes lançou um desafio direto ao modelo atual durante a coletiva: "E essas entidades que hoje lá estão representam esse capital marrom, essa geração de emprego, renda, riqueza com base na destruição e uma nova economia que sim surge baseada na bioeconomia, na agroecologia, em em materiais alternativos, na cannabis industrial, na economia criativa, eles alegam que não faz parte do modelo do desenvolvimento econômico da cidade. Que desenvolvimento econômico vocês querem?"
A manifestação da comissão especial eleitoral e o parecer jurídico da SMMA, que subsidiaram a suspensão, reconhecem que o Edital SMMA 01/2025 "apresenta inconsistências e pontos omissos", como a falta de previsão expressa para impugnações entre entidades concorrentes ou critérios objetivos por segmento. No entanto, o Mandado de Segurança argumenta que essas fragilidades não justificam a suspensão de um processo já avançado e com alta participação, especialmente quando os recursos visam desqualificar concorrentes sob pretexto de "adequação" que não está explícita no edital.
A narrativa dos impetrantes é clara: a suspensão é uma tentativa de impedir a renovação e o acesso de entidades que representam um novo olhar sobre o desenvolvimento, um olhar mais alinhado com as pautas de sustentabilidade e inovação social e econômica. A prorrogação dos mandatos, nesse contexto, seria uma forma de manter o controle sobre o conselho e frear a entrada de vozes dissonantes.
A suspensão da eleição do COMAM e a subsequente controvérsia judicial têm implicações sérias para a governança ambiental de Belo Horizonte. A paralisação do processo eleitoral pode gerar incerteza sobre a legitimidade das decisões futuras do conselho e minar a confiança da sociedade civil nos mecanismos de participação democrática.
Nesse sentido, a garantia do direito dos impetrantes (SINDSEMA, SENGE-MG e AKASULO) é a tutela também da coletividade ambiental municipal, uma vez que o COMAM é a instância responsável pelo licenciamento e acompanhamento ambiental no município. Assim, a interferência em sua gestão representa também interferência na gestão ambiental municipal com repercussão no direito difuso coletivo e em toda sociedade.
O Mandado de Segurança pede que a justiça determine a realização do pleito, resguardando o direito das entidades habilitadas de participar. A expectativa agora recai sobre a decisão judicial, que poderá restabelecer o processo eleitoral ou validar a suspensão administrativa. A Procuradoria-Geral do Município (PGM), por sua vez, tem a responsabilidade de analisar os termos do edital, e sua manifestação será crucial para os próximos passos administrativos.
A sociedade civil organizada, demonstrando força e articulação, promete manter a mobilização, buscando garantir que a representatividade democrática e as novas abordagens para o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável não sejam silenciadas em Belo Horizonte.






Parabéns Kátia Torres pelo seu artigo. Aplausos para suas colocações nessa matéria.
Parabéns pela matéria! É preciso denunciar essas manobras do empresariado, q ñ tem escrúpulos na defesa dos seus interesses. E Kátia Torres faz isto mostrando a amplitude dessas posturas, q tentam se impor tb no cenário nacional.
A sociedade cívil ambiental tem que redobrar a atenção e fiscalizar esses políticos inescrupulosos, assassinos de árvores.