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Bioma Cerrado enfrenta alertas de desmatamento e novas ameaças

  • 2 de out. de 2024
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 4 dias

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No primeiro semestre de 2023 o desmatamento do Bioma Cerrado atingiu níveis alarmantes atingindo 491 mil hectares. Esse número representava um aumento de 28% em relação ao mesmo período no ano anterior, quando foram desmatados quase 383 mil hectares, segundo dados detectados e confirmados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado).


Embora dados consolidados do sistema Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para o período de agosto de 2023 a julho de 2024 tenham apontado uma área desmatada de 8.174 km² no Cerrado – representando uma queda de 25,7% em relação ao período anterior (agosto/22 a julho/23, que registrou 11.011 km²) e revertendo a tendência de alta imediata –, a pressão sobre o bioma ganhou um novo e preocupante contorno em junho de 2025 com a aprovação do Projeto de Lei 2159/2021 (PL da Devastação), pelo Senado Federal, que flexibiliza o licenciamento ambiental.


O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul e do Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cobre cerca de 23,9% do território nacional, perfazendo uma área entre 1,8 e 2 milhões de km2. É considerado a mais diversificada savana tropical do mundo, possuindo milhares de espécies animais e vegetais em grande parte endêmicas, ou seja, só existem neste bioma.


Sua importância hídrica é fundamental, sendo berço de importantes bacias hidrográficas e conectado ao Aquífero Guarani, com a vegetação nativa e suas raízes profundas desempenhando um papel crucial na infiltração da água das chuvas, um ponto ressaltado por ambientalistas e ativistas como Reynaldo Brito, do Greenpeace, que alerta: "O desmatamento nos afasta das águas."


Apesar de tamanha importância, é o mais ameaçado dentre os biomas, sendo cobiçado para a agricultura, negligenciado pela legislação, menosprezado pela Constituição de 1988, já que somente em 2020 se tornou patrimônio natural do Brasil. Fontes ligadas à defesa ambiental, como Brito, apontam que o avanço da monocultura predatória da soja e a atuação de grandes tradings internacionais são vetores significativos dessa destruição.


A conscientização ambiental, por parte da população, pode mudar este cenário e algumas organizações sem fins de lucro ajudam neste processo, defendendo a necessidade de "desenvolver uma consciência ambiental, que tudo está ligado", e pressionar por sustentabilidade.


Essa histórica vulnerabilidade legislativa, contudo, enfrenta um novo e crítico desafio com a aprovação, em junho de 2025, do controverso Projeto de Lei 2159/2021, conhecida como PL da Devastação. Este projeto, que altera significativamente as regras de licenciamento ambiental no país, é visto por muitos especialistas e organizações ambientalistas como um potencial catalisador para o aumento da degradação no Cerrado, ao facilitar a expansão de atividades produtivas sobre áreas de vegetação nativa. (Para uma análise aprofundada sobre o PL 2159/2021 e suas implicações, leia nossa cobertura completa: https://www.diversojornal.org/post/senado-nega-emergência-climática-e-aprova-pl-da-devastação)

Temos que desenvolver uma consciência ambiental, que tudo está ligado, estamos numa luta desigual, precisamos pressionar os políticos e empresas para agir e pensar em sustentabilidade. (Reynaldo Brito/Greenpeace)

Situação atual


Segundo Vicente Toledo Junior, engenheiro florestal, mestre e doutor em Ciência Florestal na Universidade Federal de Viçosa (UFV), atualmente o Brasil abriga dois hotspots de diversidade, a Mata Atlântica e o Cerrado. O termo hotspots quer dizer que o Cerrado é uma região que abriga um alto número de espécies vegetais e animais que não são encontrados em nenhum outro lugar do planeta, mas que está ameaçado por já possuir menos de 30% de sua vegetação natural.


Toledo explica que outro aspecto que agrava o quadro ainda mais é a antropização, ou seja, os resultados da ação humana sobre o meio ambiente, como as técnicas de cultivo inadequadas, como o uso intensivo de máquinas, a utilização de agrotóxicos e a não rotatividade das culturas produzidas no solo e que vem ocasionando o esgotamento dos nutrientes.


Por fim, a extinção de nascentes (ou cabeceiras) de rios e menor recarga dos aquíferos, a compactação do solo e a erosão, aceleram a desertificação e promovem a extinção de espécies de animais e vegetação endêmicas e a poluição dos solos e dos corpos hídricos. A fragilidade de ecossistemas como as veredas, essenciais pela sua conexão com os aquíferos através de espécies como o buritizeiro, é um ponto de atenção.


Queimadas nessas áreas podem levar a um processo de ceramitização do solo, como descrito por Brito, onde o fogo subterrâneo nas raízes compromete irreversivelmente a fertilidade e a capacidade de retenção hídrica. Os impactos da antropização podem ser significativamente agravados por mudanças na legislação ambiental.


A Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem alertado para os riscos de propostas que enfraquecem a proteção ambiental, ressaltando que o licenciamento ambiental efetivo é um instrumento para o desenvolvimento sustentável, e não um entrave – uma perspectiva que se choca com a flexibilização proposta pelo PL 2159/2021, o qual, segundo a ministra, representa um grave retrocesso.


Ações afirmativas


Segundo especialistas, é possível conciliar produção agrícola com a preservação ambiental. Um bom plano de zoneamento das áreas degradadas, por exemplo, pode ser efetivo no combate ao desmatamento. “Um plano de aproveitamento (...) de áreas que hoje estão ineficientes, pode ser uma virada de chave, já que promove o manejo sustentável sem que o produtor tenha que buscar outras para pastagem do gado”, explica Toledo Junior.


A visão de Vicente Toledo sobre o manejo sustentável e o aproveitamento de áreas já degradadas ganha ainda mais relevância no contexto da aprovação do PL 2159/2021, que pode intensificar a busca por novas áreas para expansão. A efetividade de um zoneamento criterioso, como proposto, seria crucial para direcionar a produção de forma a minimizar novos desmatamentos. Um dos pontos mais críticos levantados por Junior é a flagrante subproteção do bioma por meio de unidades de conservação. Ele ressalta: "O bioma do Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, o primeiro é a Amazônia. E então nós temos 1.530 unidades de conservação na Mata Atlântica e no Cerrado nós temos só 380. Nossa! Então, é muito menor. Hoje é um dos biomas mais fragilizados e é um hotspot."


Para aprofundar a compreensão sobre outros mecanismos essenciais para a conservação do Cerrado, como a implementação efetiva do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os desafios para fortalecer a fiscalização contra o desmatamento ilegal, ouça a análise completa do especialista Toledo no player abaixo:

Vicente Toledo sobre fragilidade do Cerrado

A visão de Vicente Toledo sobre o manejo sustentável e o aproveitamento de áreas já degradadas ganha ainda mais relevância no contexto da aprovação do PL 2159/2021, que pode intensificar a busca por novas áreas para expansão. A efetividade de um zoneamento criterioso, como proposto, seria crucial para direcionar a produção de forma a minimizar novos desmatamentos.


Outra ação afirmativa, que no parecer do engenheiro florestal é promissora, é a consolidação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), novo Código Florestal, que funciona como registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, de âmbito nacional e que tem como objetivo unir e padronizar todas as informações ambientais das propriedades e posses rurais. O controle do desmatamento é feito através de imagens captadas por um satélite, sendo assim possível identificar as áreas de preservação permanente (APPs) e de reservas legais em cada propriedade, bem como acompanhar a recuperação da cobertura vegetal onde a lei exigir.


Além disso, o Programa de Regularização Ambiental (PRA) também desempenha um papel significativo ao motivar os proprietários de terras a regularizar, recuperar e compensar áreas de preservação, oferecendo benefícios como acesso a crédito rural e suspensão de multas enquanto as ações sugeridas são cumpridas. Essas iniciativas são essenciais para a conservação do cerrado. Iniciativas como o CAR e o PRA continuam sendo fundamentais. No entanto, sua capacidade de garantir a conformidade e a recuperação ambiental pode ser desafiada se o novo marco legal do licenciamento, alterado pelo PL 2159/2021, reduzir as exigências ou a efetividade da fiscalização. Ambientalistas alertam para a necessidade de vigilância na aplicação dessas normativas, citando casos onde liberações estaduais poderiam ser usadas para contornar exigências federais de conservação vinculadas a financiamentos, como os do BNDES.


O Consórcio Cerrado das Águas (CCA) é também uma ação afirmativa importante no combate ao desmatamento do cerrado. Ele colabora entre empresas, o governo de Minas Gerais e a sociedade civil, visando orientar e incentivar os produtores a adotar práticas de agricultura inteligente para preservar a vegetação nativa e melhorar os recursos hídricos do cerrado. Projetos locais, como o Veredas de Plástico mencionado por Brito, que visa cuidar das veredas, também se somam a esses esforços.


Outro recurso inovador em tecnologia é o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD Cerrado) que realiza monitoramento mensal e automático que fornece alertas de supressão de vegetação nativa em todo o bioma Cerrado. O sistema utiliza técnicas avançadas de processamento de imagens do satélite Sentinel-2 (10 m de resolução) para detectar, validar e refinar os alertas, o que permite uma ação mais preventiva. O SAD Cerrado permanece uma ferramenta tecnológica vital para o monitoramento. Sua utilidade se amplia na medida em que permite uma resposta mais rápida a supressões de vegetação, especialmente em um cenário de potencial aumento de pressão sobre o bioma decorrente das novas regras de licenciamento.


Quilombolas e Terras Indígenas


Os povos indígenas e os quilombolas, tradicionalmente, sempre usaram os recursos naturais sem colocar em risco os ecossistemas. Estes povos desenvolveram formas de manejo que têm se mostrado muito importantes para a conservação da biodiversidade no Brasil e exímios cuidadores do Cerrado. O papel desses povos como guardiões do Cerrado torna-se ainda mais crucial diante de pressões crescentes, incluindo as que podem advir da implementação do PL 2159/2021, que podem fragilizar a proteção de territórios e ecossistemas.


Exemplo disso é o Quilombo Quartel do Indaiá, em Diamantina-MG, certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. Segundo Seneca, liderança do quilombo, eles são vigilantes 24 horas por dia, do Cerrado Mineiro. “Eles, os fazendeiros vizinhos, não gostam muito da gente não. As pastagens de capim estão por toda parte. Mas nós não importamos com cara feia, não. Temos que cuidar da terra”, desabafa.


O Censo 2022 mostrou que 57.442 quilombolas residem nos 147 Territórios oficialmente delimitados titulados. Tal número é animador, já que em março de 2023, foram contabilizados 3.189 cadastros no CAR, totalizando 39.308,9 hectares.


A necessidade de proteger o Cerrado, como destacado na publicação original desta reportagem em 02 de outubro de 2024, não apenas persiste, mas se intensifica. Apesar dos dados do PRODES (INPE) indicarem uma redução de 25,7% no desmatamento do bioma no período de agosto de 2023 a julho de 2024, e o governo federal celebrar quedas em outros biomas como a Amazônia, a aprovação do Projeto de Lei 2159/2021 em junho de 2025 representa um paradoxo e um sério revés para a agenda de conservação ambiental.


A flexibilização do licenciamento ambiental, cerne do PL, pode anular ganhos obtidos e acelerar a perda de biodiversidade no Cerrado, contrariando a urgência de um equilíbrio entre produção e conservação. As declarações da Ministra Marina Silva, que apontam o licenciamento como ferramenta de sustentabilidade e não entrave, e classificam a nova lei como um retrocesso, ecoam a preocupação de especialistas e da sociedade civil.


A união de esforços entre diferentes setores da sociedade, a constante pressão por políticas públicas eficazes e a conscientização sobre a interconexão entre o Cerrado e a manutenção dos recursos hídricos são fundamentais. Como alertam ambientalistas, a luta é contínua e desigual, exigindo vigilância constante, pois "sempre haverá incêndios florestais, sempre haverá um produtor rural negligente". Neste novo cenário, a vigilância contínua através de sistemas como o SAD Cerrado, o fortalecimento de ações afirmativas como o CAR e o PRA, o respeito e apoio aos territórios e conhecimentos dos povos indígenas e quilombolas – como os vigilantes do Quilombo Quartel do Indaiá – e a mobilização social são mais imperativos do que nunca para evitar que a riqueza natural e cultural do Cerrado seja irremediavelmente perdida.



1 Comment

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Reynaldo Brito
há 4 dias
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Quando se fala em cerrado, se fala em Planalto Central, área alta, que as águas descem por infiltração para os aquífero, que alimentam os rios. O a PL DA DEVASTAÇÃO vem para destruir TDS os biomas, bem como colocar em risco os indígenas, ribeirinho e quilombolas, que terão suas propriedades tomadas pelo Agro, bem como a extinção de todas as profissões ligado ao meio ambiente, como Eng florestal, biólogos, etc. profissionais que cuidam do estudo referente ao impacto ambiental...

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